Créditos
da imagem: Arissana Pataxó | Mulheres Xikrin (2018) Técnica mista sobre tela.*
Este Dossiê está situado na intersecção entre as
pessoas, as ideias e suas criações, fazendo emergir diferentes modos de ser,
estar, pensar e perceber o mundo, a vida, o patrimônio, a educação e os afetos.
Queremos que ele seja, também, uma oportunidade para representar a educação
patrimonial como processos de interpretação das coisas que criamos e atribuímos
valor durante nossa existência, instigando as seguintes reflexões: O que foi
eleito como bens culturais de excepcional valor nos representa hoje? Que
referências queremos destacar no espaço público? De quais passados exigimos
reparação? Como cartografar os passados presentes? Inventariar, de forma
participativa, os modos de fazer, celebrar, saber e ser poderá vislumbrar
diferentes cosmopercepções?
O
contexto recente exige respostas do campo do patrimônio cultural tanto em
repensar as narrativas construídas e legitimadas por um grupo minoritário,
quanto se abrir para um questionamento crítico e profundo sobre as identidades
reconhecidas e aceitas pelos sujeitos históricos ao longo do tempo e do espaço.
Ao nos deparar com esses questionamentos, acaba sendo pautado o debate acerca
dos significados que podem ser adicionados e reconhecidos a partir da inserção
da experiência e do cotidiano da vida das pessoas. Assim, definir e ampliar as
categorias dos bens patrimoniais é reconhecer a impressão da ação diária,
habitual e frequente de humanizar os significantes ligados ao conceito de
patrimônio cultural.
Dessa
forma, os lugares, as paisagens, os conjuntos, as manifestações passam sob o
olhar de serem espaços não só de legados
de alguns grupos, mas de reinvenções e de reparações históricas em torno do
direito à memória do presente, do reconhecimento da diversidade e do
questionamento dos processos de esquecimentos e silenciamentos. Logo, pensar
cidade, patrimônio e educação na contemporaneidade é aspirar pela construção da
urbe pelo sujeito, para o sujeito e com o sujeito; é ressignificá-la pelos seus
antigos e novos usos; é reconhecer as mudanças, mas ao mesmo tempo ficar atento
às permanências. Compreende também garantir e assumir a existência diária de
novas interpretações em torno do patrimônio cultural, inclusive na necessidade
de se pensar diferentes desenhos metodológicos, como as cartografias afetivas,
os inventários e outras ferramentas participativas.
Neste
Dossiê, é significativo também a apropriação da palavra cosmopercepção, na perspectiva da socióloga feminista nigeriana
Oyèrónkẹ Oyěwùmí (2002), como uma forma mais inclusiva de conceber o mundo por
diferentes sujeitos e grupos culturais. Assim, a cosmopercepção nos estimula a
decolonizar nossos sentidos, fissurando a supremacia da visão que nos induz a
olhar o patrimônio a partir dos critérios de arte, história e
beleza euro-ocidentalizados ou somente aqueles representativos de uma parte da
sociedade brasileira, geralmente política e economicamente hegemônica.
Portanto, a partir das perguntas-chave descritas e de
diferentes cosmopercepções, o Dossiê pretende apresentar reflexões acerca de
como os processos educativos voltados para o patrimônio cultural podem ser construídos
de forma dialógica e coletiva, concebendo que ensinar não se limita e nem se
esgota em transferir conhecimento (FREIRE, 1996). Nessa esteira, ao ser
apropriado socialmente, as cosmopercepções em torno do patrimônio cultural
requerem processos educativos que se baseiam na “ecologia dos saberes” (SANTOS,
2009), que reconhecem a pluralidade de conhecimentos heterogêneos e a escuta
qualificada dos diferentes sujeitos que vivem e dão significados ao patrimônio
cultural.
Entre os interesses do dossiê estão:
1. Pesquisas e/ou projetos de educação patrimonial voltados
para a educação formal ou com comunidades, grupos sociais diversos,
instituições culturais e museus, que tenham como perspectiva a reflexão crítica
e dialógica na apropriação e preservação das referências culturais.
2. Experiências de identificação das referências culturais de
grupos subalternizados nas narrativas locais ou nacional, por meio de
diferentes estratégias educativas, desenvolvidas presencialmente ou em meio
virtual.
3. Reflexões teóricas sobre o campo da educação patrimonial,
suas apropriações, bases conceituais e epistemológicas.
O Dossiê também aceitará propostas de Produções Visuais (ensaios
fotográficos, produtos visuais, fotomontagens, intervenções digitais, etc), que
tenham como finalidade refletir ou demonstrar processos educativos
voltados para o patrimônio cultural, problematizando o trabalho com as
memórias coletivas e suas apropriações, bem como formas de democratização e
decolonização dos bens culturais, das cidades e do campo (Serão selecionados duas a três propostas de ensaios para publicação no dossiê).
Os ensaios, na forma de produções visuais, deverão ser
enviados na mesma plataforma de arquivos, contendo as seguintes especificações:
a) Apresentação do ensaio:
- Título em português e inglês;
- Nome do(a) autor(a) e filiação institucional (abaixo do
título);
- Texto de apresentação de até 300 palavras.
b) Imagens:
- Formato A4, retrato ou paisagem, com 5 (cinco) a 10 (dez)
páginas, com número variável de imagens, com disposição livre. É desejável que
o(a) autor(a) realize composições e organize de modo criativo as imagens do
ensaio, o qual pode incluir mais de uma foto por página;
- Incluir legendas com a fonte (autoria e ano) e Licença CC BY 4.0 Creative Commons.
É, então, com expectativa e satisfação
que convidamos pesquisadoras e pesquisadores do campo do Patrimônio, da
Educação, da História, da Arte, da Arqueologia e outras áreas para enviarem
seus trabalhos para avaliação e publicação no Dossiê.
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia
da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 39 ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. Visualizando o corpo: teorias
ocidentais e sujeitos africanos In: COETZEE, Peter H.; ROUX, Abraham P.J.
(eds). The African Philosophy Reader. New York: Routledge, 2002, p. 391-415.
Tradução para uso didático de wanderson flor do nascimento.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento
abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do Sul. Coimbra:
Almedina, CES, 2009.
* Conforme a autora Arissana Pataxó: “Fiz esta obra no ano de 2018 para fazer parte da exposição que estava
pretendendo montar como parte da programação do Fórum Social Mundial que
aconteceu em Salvador. O objetivo era mostrar a luta, resistência e a
rede de colaboração que existe entre os povos numa luta coletiva pelos
direitos. Fiz essa obra a partir de um recorte de uma imagem de
uma fotografia que tirei em 2010 nos Jogos Nacionais Indígenas, que
aconteceram em Palmas-TO. Um grupo de mulheres Xikrin dançavam em
círculos, unidas pelos braços. Achei muito bonita aquela imagem e
registrei, em fotografias e vídeos. Acho muito significativo esse
movimento corporal, que é usado por alguns povos na hora de algumas
danças e ritos”.